terça-feira, 30 de novembro de 2010

Resenha Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas - Segunda parte

Patrícia Sadovsky é pesquisadora argentina, doutora em Didática da Matemática; professora da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires (UBA) e pesquisadora do Centro de Formação e Investigação no Ensino das Ciências (CEFIEC). Sadovsky é ainda especialista em Didática da matemática.
Delia Lerner é educadora argentina, especialista em alfabetização e currículo e também consultora do Ler e Escrever/Bolsa Alfabetização. Ambos são programas realizados pela Secretaria de Educação de São Paulo. Ler e escrever é um programa de intervenção pedagógica na sala de aula, junto ao professor e seus alunos e que conta com a co-responsabilidade do supervisor de ensino, professor coordenador da oficina pedagógica, diretor e professor coordenador da escola. O Bolsa Alfabetização é um programa que tem entre os seus objetivos melhorar a formação inicial dos professores, melhorar a qualidade do ensino na 1ª série entre outros. Lerner pesquisa ainda sobre especificidades do ensino da escrita em contexto de estudo nas diversas disciplinas escolares.  
Neste segundo capítulo da obra, as autoras afirmam que se faz necessária a distinção entre o que é próprio dos números e das propriedades do sistema que usamos para representar estes, pois as propriedades dos números são universais, enquanto as leis que permeiam os diversos sistemas de numeração – produtos da humanidade – não são.
Com relação aos diferentes sistemas de numeração, as autoras trazem o sistema egípcio, no qual “a quantidade de símbolos de um número não informa a respeito de sua magnitude: para representar, por exemplo, 9999 utilizam-se 36 símbolos, enquanto que 10000 representava-se com um símbolo só.” (p.110) Os símbolos poderiam ser trocados de lugar sem que se alterasse a interpretação do número.
As crianças da nossa sociedade em pleno século XXI estão inseridas em uma cultura digitalizada, e seus conceitos apontam à organização posicional de nosso sistema de numeração. Todavia, nem tudo é posicional na vivência da criança, pois a numeração falada aparece no percurso da posicionalidade e cria produções “aditivas”, que são interpretadas de maneira clara e com facilidade, uma vez que os sistemas aditivos apresentam como vantagem a sua transparência.
Em contraponto ao sistema aditivo, o sistema posicional é menos transparente e mais econômico. Possui menos transparência porque o valor de cada símbolo está dependente da posição que ocupa, e é mais econômico porque uma quantidade finita de símbolos dez é suficiente para expressar qualquer número. Segundo as autoras, “quanto mais econômico é um sistema de numeração, menos transparente se apresenta.” (p.111).
Para Lerner e Sadovsk, metas são definidas por séries, como por exemplo: na primeira série se trabalha com numerais até 100, na segunda até mil, e assim por diante. Após se ensinar os dígitos, se apresenta a idéia de dezena para um agrupamento de 10 unidades, e posteriormente então é que se apresenta a escrita do número dez às crianças ( uma dezena e zero unidades), e assim sucessivamente para cada nova ordem.  “ Pretende-se simultaneamente graduar o conhecimento e chegar desde o começo ao saber oficial.” (p.113)
As autoras afirmam que o esforço para que as crianças consigam entender o complexo sistema de numeração tem levado a usar diferentes métodos e recursos para materializar o agrupamento, e o ábaco é um  recurso claro que reflete de maneira clara a posicionalidade do nosso sistema numérico.
Quando uma pessoa está tentando se apropriar da numeração escrita, diversos problemas e conflitos podem surgir, e estes podem agir como “ motores” para entender a organização do sistema numérico. É essa busca de soluções, segundo as autoras, que estabelecerá novas relações e fará o individuo refletir sobre as possíveis respostas e procedimentos que a levaram a aceitar ou rejeitar propostas e a validar ou não conhecimentos. É a partir disso então que começam a se originar as regularidades do sistema.
Para as autoras, “ As regularidades aparecem ou como justificação das respostas e dos procedimentos utilizados pelas crianças – o menos para algumas delas- ou como descobertas que é necessário propiciar  para tornar possível a generalização de determinados procedimentos ou a elaboração de outros mais econômicos.” (p.117) , ou seja, analisar as regularidades da numeração escrita auxilia no processo de progresso  a respeito do entendimento das leis do sistema de numeração. Assim sendo, o trabalho escolar é permeado de provisoriedade, pois não somente os conceitos, mas também os aspectos do objeto que são postos em primeiro plano, as conclusões e etc. também são provisórios.  Desta forma, tanto a complexidade como a provisoriedade são inevitáveis, pois o trabalho didático precisa levar em conta tanto o processo de construção do conhecimento da criança como a natureza do sistema de numeração.
Lerner e Sadovsk trazem exemplos de atividades centradas na comparação, pois acreditam que a relação de ordem “adquire uma especificidade vinculada à ordenação do sistema” (p.119). Para as autoras, as crianças que realizam várias auto-correções acerca da ordenação dos números realizadas por elas aprendem tanto durante o processo como quando precisam argumentar a favor sobre sua conclusão perante os demais. Tal fato se explica por que ao elaborar uma nova pergunta, a criança formula novos conhecimentos e assim constitui uma nova aprendizagem.
As autoras afirmam que até mesmo as crianças que não se manifestam aprendem, pois estas se deparam com perguntas e contradições e refletem sobre suas formulações. As autoras afirmam que  “é fundamental incentivá-las a refletir a respeito de suas anotações e a encarar a responsabilidade de produzir uma resposta própria.” E ainda “ procurar que as crianças consultem a si mesmas antes de apelar a uma ajuda externa, que cada criança recorra, antes de mais nada, ao que sabe da numeração falada e da numeração escrita e descubra que alguns de seus conhecimentos são pertinentes para resolver o problema formulado.” (p. 121). Desta forma, fazendo as crianças perceberem que seus conhecimentos têm valor, as autoras acreditam que estará se incentivando a autonomia da criança. Em contato com as diferentes percepções, todas as crianças crescem por meio do trabalho cooperativo, e assim todas realizam uma aprendizagem.
No decorrer do texto, as autoras focam bastante na questão de que ao formular uma nova pergunta, as crianças elaboram novos conhecimentos, sendo assim as perguntas um modo de se constituir a aprendizagem acerca do sistema numérico.
Lerner e Sadovsk, afirma ainda que é importante que se trabalhe com números inseridos no uso que socialmente se realiza deles, como preços, idades e etc, pois assim as crianças conseguem perceber o seu sentido e como eles funcionam em diferentes contextos sociais. Com os diferentes exemplos apresentados pelas autoras no textos foi possível concluir que “ os procedimentos empregados pelas  crianças confirmam as suspeitas que tínhamos formulado ao iniciar o trabalho didático: como a relação de ordem é uma ferramenta poderosa para produzir e interpretar notações numéricas”. (p.126) Assim, fica clara a importância que desempenha a sequência oral no desempenho da escrita numérica, e desta forma, o ato de contar se torna imprescindível. A relação entre numeração falada/escrita está presente no processo de compreensão e aquisição do sistema numérico.
As autoras discorrem acerca da importância de se buscar regularidades, pois segundo Lerner e Sadovsk detectá-las se faz necessário para avançar no entendimento do sistema e para conseguir uma utilização cada vez mais adequada da notação convencional. Entretanto, “estimular a busca de respostas só tem sentido quando as crianças estão em condições de compreender as perguntas.” (p.132)
Lerner e Sadovsk buscam em seu capítulo se centrarem na análise dos procedimentos realizados pelas crianças para obter resultados, uma vez que existe uma estreita relação tido como objetivo pelas autoras neste capítulo.
As autoras trazem diversos exemplos de atividades realizadas com as crianças, e foi possível perceber com clareza uma conseqüência da propriedade associativa que fica implícita ao se resolver uma operação: o que se adiciona a um dos números precisa ser diminuído do outro. É possível perceber que enquanto para nós resulta o óbvio, para as crianças não resulta.  Muitas crianças s apóiam nos “nós” para realizar procedimentos mais econômicos, conforme mostram os exemplos trazidos pelas autoras.
Segundo Lerner e Sadovsk, é importante que se proponha à criança que anote a maneira como resolveram a operação, pois tal ato colabora para o progresso de todos, uma vez que esta ação permite que cada criança tome consciência do procedimento que utilizou e ainda pode comparar as anotações. Registrar os passos e os procedimentos então é um passo importante para que se progrida, pois com a interação junto com os demais colegas a criança pode refletir e fazer confrontações acerca das respostas e dos procedimentos utilizados por outros colegas. “ A comparação de diferentes situações levará a estabelecer regularidades também para o caso dos ‘cens` , a confrontá-las com as já estabelecidas para os ´dezes´ e a continuar refletindo acerca da organização do sistema de numeração” (p.147)
Para finalizar este capítulo, as autoras afirmam que “ foi instrutivo descobrir que os argumentos das crianças estavam exclusivamente baseados na numeração falada, e que nenhuma delas – nem sequer as que em outras situações formularam justificativas do tipo ‘se...então’ – apelava ao valor posicional.” (p.147)  e ainda que pensar sobre a vinculação entre as operações aritméticas e o sistema de numeração tem por conseqüência a formulação de “leis” que irão permitir procedimentos mais econômicos.
            Assim como as autoras, acredito ser de suma importância incentivar as crianças a acreditarem nos seus conhecimentos e a perceber que estes têm valor e a consultarem primeiro a si próprias. Ao encontro das idéias de Lerner e Sadovsk, considero a confrontação de respostas e procedimentos um ato imprescindível para o passo ao progresso, pois em contato com diferentes “modos de fazer” a criança pode analisar as suas produções e as dos colegas, o que proporciona novas reflexões, novos questionamentos e assim produz novos conhecimentos. A busca por regularidades acaba por contribuir para a formação de “leis” ao se realizar um problema.
Acredito que a matemática deve ser apresentada às crianças como algo não abstrato, mas sim como algo que está sempre presente em nossas ações e em nosso dia a dia. Por isso, concordo com as atividades trazidas pelas autoras, como a de associar preços à quantidades de balas, comparar preços em uma loja e etc. Quando os números são trazidos para o cotidiano das crianças, a sua compreensão se faz muito mais natural. Uma boa opção de jogo para se compreender a questão do sistema monetário é o banco imobiliário, pois brincando, as crianças precisam realizar operações e compra e venda simulada.
Sem dúvidas, a utilização de recursos lúdicos torna o aprendizado da matemática mais prazeroso e mais concreto.



Referencias bibliográficas

LERNER, D. e SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In: PARRA, C. e SAIZ, I. (orgs.). Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

Acadêmica: Caroline Neubert
7ªfase - Pedagogia - UDESC

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